Ainda me lembro, com grande
clareza, de um dia que fui comprar pão para minha mãe na
padaria, era metade da tarde, e na volta percebi que havia
água correndo pela sarjeta.
Sempre gostei dos detalhes pois é
neles que habitam as mais interessantes coisas, e talvez por
isso fiquei observando a água desbravar os buraquinhos e
reentrâncias do asfalto, circundando pequenas pedras, sendo
absorvida por morrinhos de areia, e tentava adivinhar qual
seria o caminho que ela escolheria logo a frente, no próximo
passo.
Lembro que nessa situação fiquei
tão absorto que cheguei em casa quase três horas depois, e
quando expliquei porque havia demorado tanto, minha mãe
ficou zangada e meu irmão deu risada, não acreditando que eu
realmente estava seguindo o curso da água, no tempo dela.
Hoje, depois de “adulto”, mal
arranjo tempo para ler um livro, sentar ao pé de uma árvore,
ficar em silêncio ao lado de alguém, apreciar as nuvens
passearem nesse céu maravilhoso das missões...
Lembro de quando passava as tardes
colhendo cinamomos ou deitado na rede, admirando a copa da
árvore e assistindo o dançar das folhas com o vento
permitindo passar feixes de sol. Ou mesmo quando algum
passarinho se utilizava da sombra para descansar e até
confeccionar um ninho.
Ficar a noite inteira acordado era
um desafio muito difícil, mas era coisa de adulto, então
compensava o sacrifício. Inclusive quando dormíamos sentados
tentando chegar às, pasmem, 3 horas da madrugada.
Uma pitangueira era passatempo
para tardes inteiras. Feliz, que a maioria delas tinham
pitangas suficientes para resistir a mim por inúmeras
semanas.
Achávamos tempo para fazer nada,
para dar atenção aos amigos, às coisas pequenas, aos
detalhes mágicos de cada simples acontecimento, conseguíamos
ver beleza onde hoje sequer conseguimos perceber existência,
e ainda temos a insolência de perguntar o que havia de tão
bom na infância e por que era tão melhor do que agora.
A vida pode continuar tão
satisfatória quanto, basta que mantenhamos a criança viva
dentro de nós e tenhamos clara a necessidade de continuarmos
arranjando tempo para o que é importante à nossa essência.
A vida é curta demais para
desperdiçarmos com a correria da vida moderna, afogados em
informações poluentes. A vida é agora e é uma só. E se por
acaso encontrarem um falso adulto pendurado em alguma
pitangueira na cidade, podem vir conversar, pois há grandes
chances de ser eu.