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quinta-feira, 14 de junho de 2012

Pachorrice


Muitos amigos de Porto Alegre disseram-me que não conheciam um santo-angelense sequer durante toda a vida, mas que depois de me conhecerem, não pararam mais de ver esse povo missioneiro espalhado em todos os cantos do Brasil.
É fato que as pessoas de minha cidade evadem em grande escala, e isso, na minha opinião, tem um motivo. Eu e alguns outros observadores acreditamos que o inconsciente coletivo de algumas cidades (todas tem isso) são fortes o suficiente para transformar uma pessoa em infeliz, feliz ou encabrestá-la.
Aqui, há uma pachorrice coletiva inconsciente que salta aos olhos de todos os forasteiros. Muitos crescem odiando isso, e na primeira oportunidade, mudam-se. Outros adaptam-se, acostumam-se e amam, ficando aqui por toda a vida. Mas há, infelizmente, os que não gostam, e acabam tendo que ficar. Essas pessoas, mesmo que despropositadamente, acabam gerando um desconforto contagiante no meio que estão inseridos.
Como exemplo cito dois casos bem tradicionais no comércio, que certamente todos já se depararam. Os dois são oriundos da mesma função: caixa.
Se eu compro algo em um estabelecimento e digo que pagarei com cartão, a pergunta que normalmente acontece é: débito ou crédito? Ok, até aí tudo bem, mas eventualmente o caixa apenas pergunta: crédito? Experimente responder não para a pergunta.
Invariavelmente, a pessoa que está lhe atendendo redarguirá com outra pergunta, que é: débito?
Uma vez eu fiquei tão irritado com a segunda pergunta, pois estava com pressa, que joguei a pressa fora e perguntei: tem uma terceira opção?
Ora, se há apenas crédito e débito, e não é crédito, o que então faz a pessoa perguntar novamente quanto a única opção remanescente? Minha resposta está no início do texto. Pessoas que acabam tendo que ficar em algum lugar querendo estar em outro, ou em uma profissão que não gosta, etc.
Humildade é legal, louvável e admirável. Ambição, embora saudável, não é obrigatória. Ganância é condenável. Mas absolutamente nada disso justifica o conformismo de trabalhar tão infelizmente, que não se digna a pensar sequer.
Se algum dia eu tiver que trabalhar sem pensar, mate-me! Eu não aguentaria esse fardo.
O segundo exemplo ainda falando de caixa, é que a grande maioria não pensa em como o cliente irá receber seu troco e se a maneira como é entregue é a melhor e/ou mais adequada.
Os caixas simplesmente juntam notas, moedas e o cupom fiscal em uma espécie de cadinho, quase amassado e caindo, e depositam na mão do cliente. Na verdade, o que de fato acontece é que eles estão entregando um problema na mão da pessoa que foi efetuar uma compra, pois daquele momento em diante ele vai ter que pegar as moedas e colocar no lugar onde costumam ficar (niqueleira, bolso, carteira, bolsa), vai ter que pegar as notas (e quem trabalha com dinheiro ou é "maniático" ajusta todas as notas com o rosto virado para o mesmo lado, notas maiores primeiro e menores depois, ...) e colocar na parte do dinheiro, pegar o cupom e colocar fora, para doação ou junto com outros cupons.
Simplesmente não há uma preocupação empática com o cliente, ou até mesmo um respeito solidário quanto ao tempo, pois há apenas a pressa de atender ao próximo da fila o quanto antes. Então o caixa pega tudo, junta e entrega rapidamente na mão do comprador, faltando apenas dizer, vai logo. Próximo!
Vale lembrar que isso não se aplica a todos os caixas do mundo, apenas aos frustrados e normalmente infelizes.
Conheço muitos caixas que mesmo não amando seu trabalho, procuram fazê-lo da melhor forma possível. Também é importante citar que a função é tão digna quanto qualquer outra e não existe demérito algum e exercê-la.
Sigo a filosofia de tentar fazer sempre do meu trabalho o melhor possível, transformar o ambiente em algo aprazível, mesmo que a função não seja exatamente a que eu queria e tenho obtido bons resultados no que concerne a satisfação pessoal.
Pode não realizar completamente, mas torna o trabalho bem melhor e a pessoa mais feliz.
É a filosofia do "Ame seu trabalho e você nunca mais trabalhará".
Publicado em: A Tribuna Regional no dia 06.04.2012
Editado/corrigido/pitaquiado por: Thiago Severgnini de Sousa
Escrito por:  @rjzucco