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quinta-feira, 19 de março de 2015

Valores errados IV



Certa vez um cliente veio até nós, e explicou que fora sempre bom pagador, que era conhecido na cidade, que era uma pessoa de bem e que há mais de dez anos sendo nosso cliente, nunca deixou de pagar em dia.
Então, justamente por isso, segundo ele era merecido algum tipo de vantagem, afinal de contas tanto tempo sendo cliente necessariamente o dava esse direito.
Queria um desconto, ou isenção de garantias. Quando informei que quem definia o valor não éramos nós e sim o proprietário, e que a isenção não poderia ser concedida pois tínhamos um contrato com o mesmo nos responsabilizando a garanti-la, o cliente se revoltou.
Disse que era inadmissível isso. Ser tão bom cliente por tanto tempo e não conseguir esse tipo de facilidade, só em nosso estabelecimento mesmo. Que iria procurar em outro lugar.
Confesso que me entristeci. Afinal de contas, bons clientes precisam e merecem todo reconhecimento e atenção. Ocorre que justamente nesses quesitos os quais ele precisava de um auxílio, não tínhamos como flexibilizar.
O que me chama a atenção é ver o reflexo do governo atual transpirando em nosso dia a dia agora também com pessoas esclarecidas e com estudo. Esse cliente em questão é uma pessoa inteligente, articulada, pensadora e formadora de opinião.
Agora raciocine comigo. Então, segundo a nova lógica contemporânea, se eu sou um bom cliente e para continuar quem sabe sendo um bom cliente, então preciso que me beneficie de alguma forma, mesmo que isso venha a lhe gerar prejuízo ou ferir termos e garantias assumidos com outrem?!
Então quer dizer que agora o fato de eu ser bom me possibilita quebrar regras das coisas certas? Inclusive torcer valores morais?
Não faz sentido pensar que porque eu fiz o que deveria fazer, que é o mínimo que se espera de uma pessoa honesta, que é pagar certo e em dia e zelar pelas coisas dos outros com o devido respeito, então mereço receber vantagens.
O certo é pagar o que tem que ser pago, em dia, oferecer as garantias e entregar como estava. Mas hoje em dia quando alguém faz isso, se acha no direito de receber benefícios.
É uma cultura muito forte que vem sendo vendida para todo o povo por muito tempo. Tão forte que fazer a coisa certa é visto como algo fora de série e digno de premiação, isenção, bônus ou outra vantagem qualquer. E se isso não for cedido, então não serve.
Onde estão os valores de fazer a coisa certa? De seguir princípios morais corretos? De seguir seus ideais?
Segundo a nova filosofia, o fato de o cliente ter pago corretamente por tanto tempo me obrigaria a quebrar o contrato com outro cliente para beneficiar o primeiro. Ou então deveria abrir mão do lucro da empresa para não perder o cliente e trabalhar de graça. (essa última acredito que seja a opção mais plausível para os defensores do assistencialismo que continuam vendo que os empresários - atuais provedores de recursos financeiros e de oportunidades de trabalho - são na verdade opressores e exploradores nesse mundo cão capitalista).
Venho percebendo que a antiga filosofia de fazer a coisa certa, seguindo os valores corretos, pelo que está escrito, a cada dia que passa existe menos. Hoje o negócio é dar nó, enrolar, fazer errado, e dar o jeitinho.
Nossa grande vantagem em não dar o jeitinho é que os clientes que optam por esse caminho, acabam retornando, pois percebem da pior forma possível o quão ruim é confiar apenas na boa fé em tempos de valores corrompidos .
Continuo acreditando que fazer a coisa certa é o melhor e mais seguro caminho. Afinal de contas, 50 anos de casa nos ensinaram alguma coisa.

Publicado em: A Tribuna Regional no dia 31.01.2015
@rjzucco
rodrigo.zucco@terra.com.br