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quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Ignorância

Estava passando os olhos pela minha “timeline”, no face, enquanto aguardava algo terminar e vi a foto de um conhecido com uma criança negra de olhos azuis: azul cristalino e transparente.
Quando os vi, estupefato pela singularidade daquela criança, exclamei: “coitada, vai sofrer!”
Nisso me falaram: “que isso, deixa de ser pessimista, você não sabe o que pode acontecer com o menino, vai que ele seja super feliz”.
Com toda paciência do mundo, insisti: “Ele é negro. Em um país onde o racismo impera - e só por isso já teria uma vida difícil -, ele está em um Estado onde o preconceito é ainda maior. Não fosse isso suficiente, carrega o estigma de ter olhos claros e todo o fardo que isso traz, o que comungado em uma só pessoa, exponencializa os efeitos.”
Como a pessoa insistiu, citando o exemplo de um Ser que houvera passado em toda a sua vida e que era quase negro (mas tinha cabelo pixaim, ainda insistiu) e que parecia feliz, fui forçado a surtar.
Não é um exemplo meu ou uma forma singular minha de pensar a respeito dos negros. O país é racista sim, queiram ou não. Os negros sofrem, diariamente, discriminação e preconceito apenas por terem pele escura, antes mesmo de poderem manifestar sua capacidade para o que quer que seja. E isso é, por si só, uma horrenda desvantagem, em um mundo que preza pela brancura.
Olhos claros (a exceção de cidades, eminentemente, alemãs como Santa Cruz e afins) são exceção. Logo, pessoas que os tenham sofrem, simplesmente, por existirem. Há muita inveja nesse mundo, muito ciúme, muita ganância, muita gente querendo ter o que não pode e por isso prefere que os outros também não tenham. Se uma menina de olhos claros começa em uma nova turma, em uma nova escola, em uma nova cidade, onde não conhece ninguém, a primeira coisa a receber ao entrar na sala de aula é o ódio das coleguinhas. Acreditem, é assim que funciona. Perguntem às pessoas de olhos claros, que já refletiram a respeito, se nunca sofreram apenas pela cor dos olhos.
Ainda que aqui não estou entrando no mérito das rugas, da maior propensão à dor de cabeça, da maior exposição à claridade, do menor filtro ocular...
Quem tem olhos claros acaba recebendo mais atenção aos olhos; ou aprende, portanto, a não transparecer sentimentos pelo rosto (o que é extremamente difícil e raro), ou sofre na mão dos outros que sabem, exatamente, o que está pensando ou sentindo. Quando consegue esconder, sofre as consequências, ao ser classificada como falsa, metida, arrogante, prepotente...
E, mesmo que a avassaladora maioria da sociedade não agisse feito uma tribo de forma, coercitivamente, utilitarista e pregando o egoísmo acima de todas as coisas, seguindo os mesmos costumes e tradições (independente se correta ou não), ainda assim haveria as exceções que seriam suficientes para introjetar sofrimento no coração de seres como os supracitados.
Comportamento repete-se, e o mundo, em via de regra, segue a mesma linha de raciocínio e comportamento. Não vou aprofundar-me muito sobre essa parte antropológica, psicológica e comportamental, apenas encerro falando que, ser negro é difícil, ter olhos claros também, ser exótico e diferente mais ainda e os três juntos então é uma cruz que apenas quem tem uma estrutura mental fora de série tem condições de carregar, sob pena de se desorganizar mentalmente, morrer ou até se suicidar.
Ignorar fatos, argumentos sustentados e verdades sociais recorrentes é ignorar a realidade, o que, na minha opinião, é uma das piores formas de ignorância existentes.

Publicado em: A Tribuna Regional no dia 25.10.2014
Revisado por Cristiano Zucco
@rjzucco
rodrigo.zucco@terra.com.br