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quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Cinderela

A todos que acreditam em contos de fada e acham que isso realmente pode acontecer na vida real, peço que parem de ler. Partam para outro texto qualquer, pois irei aqui desmontar a utopia daqueles que creem ainda na possibilidade dessa mágica.
Ater-me-ei apenas ao clássico episódio de Cinderela, pois julgo ser mais do que suficiente para comprovar meu ponto de vista. E mais, desafio-lhes a provar que estou errado.
Pense em uma menina que passa os dias sem estudar, ler, aprender ou conversar sobre assuntos que lhe possibilitem maiores traquejos e articulações. Alguém que viva apenas para servir de escrava às irmãs e que nada faz além de ser humilhada e faxinar.
Uma pessoa assim não tem condições de conversar sequer com a própria família sobre algum assunto relevante, quanto mais com alguém de uma "classe" superior.
Façamos a analogia com uma criança. Um adulto tem muito mais conhecimento e experiência que um jovem. Se por algum motivo esse adulto tentar dialogar qualquer tipo de assunto cotidiano dos mais velhos com essa criança, encontrar-se-á em um beco sem saída.
Da mesma forma ocorre entre um príncipe e uma escrava de faxina das irmãs que nem sabe o que é um "bom dia".
Tente mentalizar um diálogo, nos tempos atuais, entre essa tal escrava e um homem oriundo da classe A ou B. Ele a ama, casaram-se, acertam-se maravilhosamente bem na cama, mas quando tentam conversar o que ocorre? Enquanto ele tenta falar de política, demonstrando-se preocupado com o Mercosul e com a geopolítica mundial, ela diz que gosta do bolsa família e da presidentA. Quando forem falar de futebol, o máximo que ela sabe é que os jogadores ganham bem e são um prato cheio, e ele querendo trocar ideia quanto a tática e estatísticas.Falando em televisão, ela sabe sobre novelas, Ratinho, Marcia, Faustão e olhe lá, enquanto ele tenta falar sobre filmes culturais, documentários, seriados, musicais e óperas. Falando em música, ela gosta de funk com as letras de mais baixo calão, enquanto ele ouve blues e clássico. Livros pra ela apenas os que tem figurinha e com no máximo 15 páginas, para ele Camões e Machado são o trivial.
Quando ele vai apresentar a amada aos amigos, ela sai com "a gente fumos"; "peguemos"; "de a pé"; "seje"; "teje";"menas", fala de boca cheia, não ri - cacareja, usa mais as mãos que os talheres, e por aí vai...
Por aqui percebe-se um abismo colossal de diferenças culturais, sociais, comportamentais e mais outros "ais" que seriam mais do que suficientes para ofuscar todo e qualquer "sentimento imortal" de um matrimônio entre classes.
Mesmo que essa menina esforce-se muito e que o homem tenha paciência suficiente para esperar ela qualificar-se, quando isso acontecer ele já estará em outro patamar e tudo que ela conquistou chegou apenas próximo do que ele era no momento em que sua caminhada iniciou.
Para não sermos tão extremistas, pensem em uma pessoa de classe D ou E que envolve-se com o filho do patrão de classe B ou C. Mesmo nesses casos o relacionamento nasce morto. É insustentável para alguém que quer mais, ter um fator limitante tão forte ancorando seu crescimento pessoal e profissional para o resto da vida. As pessoas buscam alguém com quem compartilhar afinidades e que auxiliem nas decisões da difícil e turbulenta vida moderna.
Pense agora em alguém de classe C ou B (pessoal que estuda, lê jornal, livros...) tentando ter um relacionamento normal com uma mulher de classe A. Pensem em uma bilionária de berço, tipo filha do Bill Gates.
Certamente a vida, rotina, cultura, lazer, vestimenta, custo, restaurante, comportamento e vocabulário dela são demais para alguém que pondera as finanças para pagar uma faculdade ou o financiamento de um imóvel. Uma janta dela é o orçamento semestral dele. Só a bota que ela usa é o preço de seu apartamento.
Meus amigos sociólogos dizem que a separação de castas sempre existiu e sempre existirá, e que é inclusive uma maneira de nos protegermos de situações constrangedoras. Cada classe que misture-se entre si, pois o resto é apenas devaneio de um conto de fadas absurdo. E eu concordo.
E a Cinderela nunca saiu do canto cinzento próximo a lareira, a não ser para enrabichar-se com o responsável pela coleta de esterco do chiqueiro anexo.

Publicado em: A Tribuna Regional no dia 20.07.2013 
Editado/corrigido por Patrick Heinz
@rjzucco
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