Pesquisar este blog

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Quando as palavras faltam



Existem alguns momentos em minha vida onde gostaria de ser tão brilhante quanto Einstein, Machado, Drummond, Veríssimo, Moreno ou tantos outros que admiro e respeito. Mentes brilhantes sabem cavar, mesmo em mar de lama, palavras límpidas e reconfortantes. Sabem transformar textos em bálsamos e acalentar com escrita.

Estou tão longe disso quanto um Fusca de uma Ferrari, mas isso não impede o primeiro de levar seus passageiros ao destino guiado pelo condutor. Mesmo que sem o conforto, tecnologia ou velocidade desejados.

Essa teimosa obstinação do Fusca em atender ao menos o básico que é a locomoção de um lugar a outro, por óbvio analogamente, também é exercida por mim quando escrevo sobre uma soma de fatores que desencadeiam na mais improvável tragédia que tive o desprazer de sentir em vida no nosso estado.

Primeiro teve que o governo, após vários mandatos e uma cultura histórica de descaso com o ensino e a educação, pagar mal aos professores e estes revoltarem-se culminando em greve. Esta greve alterou o calendário acadêmico das universidades federais. A alteração do calendário fez com que a grande massa de estudantes de uma cidade universitária situada no coração do Rio Grande estivesse em férias, a exceção apenas dos alunos do ensino federal.

Como é uma cidade principalmente voltada para o estudo, mesmo que as forças armadas sejam também um ponto forte daquele município, em época de férias muitos estabelecimentos reduziram seus turnos, outros tantos sequer abriram, fazendo com que uma grande quantidade de estudantes acabasse superlotando um dos poucos lugares que estava aberto numa fatídica noite.

Também por motivo de férias possivelmente as ofertas de bandas disponíveis para tocar fosse restrita, aumentando a conjectura de acasos e disponibilizando justamente uma que utilizava instrumentos pirotécnicos para animar e iluminar o show.

A fiscalização não é, nem lá nem em qualquer lugar do Brasil, perfeita e rígida a ponto de interditar todo e qualquer estabelecimento que esteja fora dos conformes. Seja por bombeiros, por prefeitura, por vigilância sanitária ou o que for. E ainda em alguns casos, há o jeitinho brasileiro, a molhadinha de mão, as facilitações e os olhos moucos.

Se fosse em outra cidade, se não fosse a greve, se não fosse uma cidade universitária, se não fosse aquela banda, se não fosse naquela casa noturna, se não houvesse tanta gente, se não houvesse descaso, se não houvesse corrupção, se não existisse o jeitinho brasileiro, e se tudo não acontecesse junto, uma tragédia dessa proporção não teria ocorrido.

Mas o acaso teceu o seu plano dessa forma e tudo ocorreu lamentavelmente consternando o mundo.

Procurar culpados agora não resolve. Presidente ir beijar os parentes condoídos não conforta. Religiões pregarem que se estivessem na igreja não estariam mortos não ajuda.

É óbvio que o dono da casa não fez por mal. Evidente que o integrante da banda não tinha ideia de que algo do tipo ocorreria. Líquido e certo que a culpa que essas pessoas fardearão pelo resto de suas vidas é mais forte do que jogá-las em instituições que servirão apenas para ensiná-los o que é errado.

A bem da verdade se as pessoas que erraram o caminho e acabaram no banheiro não tivessem o feito, a proporção seria absurdamente menor. Mas quis o acaso que as portas fossem perto, que não houvesse sinalização adequada ou que ela não pudesse ser vista pela fumaça, que o ser humano quando em desespero pela vida tornasse a agir instintivamente feito bicho atropelando-se e sufocando-se, e que encerrasse a noite na mais triste história da cidade de Santa Maria.

Ainda bem que lá tem muitos hospitais, que existem pessoas solícitas e prontas para ajudar, que estava situada no centro do estado permitindo o escoamento de feridos à todos os lados, que é uma cidade com base aérea e forças armadas em contingente e equipamento pronto e adequado para em caso de pânico poder socorrer e transportar as pessoas com urgência à outros locais. Pois se fosse em 90% das cidades do Brasil (ou mais), muito mais gente teria morrido.

Não costumo me chocar, sentir ou entristecer ao ver barbaridades na televisão, como as guerras e outras fatalidades. Entendo a gravidade e a seriedade, mas não sinto tristeza, não perco o sono ou fico com um nó na garganta e um aperto no estômago. Guardo minha emotividade para coisas boas.

Nesse caso percebi que todas as pessoas que conheço, assim como eu, sem exceção, sentiram. Concordo com Carpinejar quando diz que todos morremos naquele clube.

Deixo meus sinceros pesares com olhos e espírito marejado e com toda empatia que me é permitida a todos os familiares, amigos e conhecidos das vítimas, pois minha mediocridade e falta de competência impedem que eu saiba confortá-los com palavras.

Publicado em: A Tribuna Regional no dia 12.01.2013
Editado/corrigido por Patrick Heinz
@rjzucco
rodrigo.zucco@terra.com.br