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terça-feira, 23 de junho de 2015

Meritocracia I



Assistindo uma aula do Sandler (professor de Harvard) sobre meritocracia e lendo alguns comentários recentes sobre uma tirinha publicada na internet, reacendeu minha revolta quanto à falta de capacidade reflexiva da massa ignorante.
Mesmo as pessoas mais capazes e inteligentes estão destreinadas e desacostumadas a pensar reflexivamente.
A tirinha falava sobre um rapaz oriundo de família com boas condições financeiras, que frequentava as melhores escolas. Tinha o carinho e atenção dos pais que tinham tempo para lhe assistir. Quando tirava notas baixas tinha condições de fazer reforço com professor particular. Não precisava trabalhar. Depois de adulto conseguiu, mediante contatos de sua família, uma boa colocação profissional. Por ser conhecido, os chefes no trabalho ficavam lhe monitorando, aguardando uma oportunidade de crescimento. Depois de adulto e médico diz que tudo que conseguiu foi por mérito de seu esforço.
A menina morava em uma casa úmida, família humilde cujos pais precisavam de dois empregos para conseguirem se manter e desta forma estavam sempre ausentes. A menina não podia dedicar-se exclusivamente aos estudos pois frequentemente os pais estavam doentes e ela precisava cuidá-los, ou então tinha que cuidar da casa ao invés de estudar. Ou ainda, trabalhar fora para ajudar nas despesas domésticas.
A tirinha defendia que não existe meritocracia pois nesses casos cada um saiu de uma realidade diferente, logo já partiram de condições desiguais e sendo assim jamais conseguirão competir em pé de igualdade, e que visto sob a ótica meritocrática não há igualdade de condições.
Bom, para haver igualdade real as pessoas para começar precisariam nascer todas com o mesmo código genético. Ou seja, geneticamente competitivas levando-se em consideração o físico e o intelecto.
Então essa utópica “justiça” não existe. Aliás, nem justiça divina existe, como querem que exista uma social? Jurídica nem se fala.
Voltando à meritocracia. Voltemos as realidades familiares. A família com melhores condições financeiras não precisa se sentir culpada ou muito menos ser penalizada entregando boa parte do que conseguiu para custear melhores condições para a família pobre (o que ocorre com a classe média hoje que paga 70% do que ganha em impostos para que o povo possa comer sem trabalhar).
Meritocracia não pode ser avaliada como confronto de classes sociais. Precisa ser avaliada dentro do contexto de cada um.
Uma pessoa com grandes capacidades, muita inteligência, extremo conhecimento pode se esforçar muito e conseguir piores resultados do que uma pessoa relapsa que com pouco esforço entregou um fantástico resultado.
E onde fica a meritocracia nisso? (Pauta de um próximo texto).
Agora raciocine comigo. Se sou pobre, não tenho condições de estudar condizentemente, sei que não serei tão bem sucedido quanto alguém de classe média ou alta, e isso não tira meu mérito. Obviamente interfere no meu resultado final. Interfere onde chegarei ao longo da minha jornada de vida. Mas não significa, absolutamente, que terei que me conformar em ser medíocre e não possa fazer algo para melhorar.
Então se sou extremamente pobre e me esforçar, melhorarei minha realidade particular em alguma coisa mediante esforço e dedicação. Mérito meu. Meritocracia.
Claro que alguém oriundo da famigeração muito dificilmente chegará à riqueza. Mas pode chegar a uma realidade bem melhor e diferente da qual se encontrava no início da jornada. Isso fará com que meu filho tenha uma realidade melhor. E se eu conseguir passar os mesmos valores, ele vai continuar essa caminhada e meu neto terá uma realidade melhor e assim por diante, até que vai chegar o momento que um dia vão dizer que meu tataraneto conseguiu as coisas de graça, e não por meritocracia. Quando na verdade foi uma construção de várias gerações.
Então o mérito imediatista é melhor que o atávico e construído ao longo das décadas?
Mesmo aquela pessoa oriunda da classe média/alta sabe que jamais terá a mesma realidade do príncipe William, por exemplo. Isso não a impede de se esforçar e dar o melhor de si para transformar sua realidade em algo o mais próximo possível de seu limite atingível, de acordo com suas condições gerais (sociais, financeiras, intelectuais e genéticas), ou mesmo seus sonhos, para quem sabe suas gerações seguintes possam dar continuidade à sua busca por crescimento.
Falta de mérito é aquela pessoa que tem tudo e perde por não fazer por merecer. Por ser desleixado e relapso. Preguiçoso e incompetente. É aquele que dentro de sua realidade poderia ter muito e retroage evolutivamente não forçando seus limites particulares para conseguir novos horizontes.
Então antes de falar em meritocracia, comece pesando sempre mais de uma variável. Trarei outras e continuarei o exercício reflexivo e espero que ao final possamos debater a respeito e que eu tenha ao menos lhe feito pensar um pouco.

Publicado em: A Tribuna Regional no dia 30.05.2015
@rjzucco
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