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quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

O tempo muda com o tempo...




Ainda me lembro, com grande clareza, de um dia que fui comprar pão para minha mãe na padaria, era metade da tarde, e na volta percebi que havia água correndo pela sarjeta.
Sempre gostei dos detalhes pois é neles que habitam as mais interessantes coisas, e talvez por isso fiquei observando a água desbravar os buraquinhos e reentrâncias do asfalto, circundando pequenas pedras, sendo absorvida por morrinhos de areia, e tentava adivinhar qual seria o caminho que ela escolheria logo a frente, no próximo passo.
Lembro que nessa situação fiquei tão absorto que cheguei em casa quase três horas depois, e quando expliquei porque havia demorado tanto, minha mãe ficou zangada e meu irmão deu risada, não acreditando que eu realmente estava seguindo o curso da água, no tempo dela.
Hoje, depois de “adulto”, mal arranjo tempo para ler um livro, sentar ao pé de uma árvore, ficar em silêncio ao lado de alguém, apreciar as nuvens passearem nesse céu maravilhoso das missões...
Lembro de quando passava as tardes colhendo cinamomos ou deitado na rede, admirando a copa da árvore e assistindo o dançar das folhas com o vento permitindo passar feixes de sol. Ou mesmo quando algum passarinho se utilizava da sombra para descansar e até confeccionar um ninho.
Ficar a noite inteira acordado era um desafio muito difícil, mas era coisa de adulto, então compensava o sacrifício. Inclusive quando dormíamos sentados tentando chegar às, pasmem, 3 horas da madrugada.
Uma pitangueira era passatempo para tardes inteiras. Feliz, que a maioria delas tinham pitangas suficientes para resistir a mim por inúmeras semanas.
Andar de bicicleta desde manhã até anoitecer, sem preocupações com quaisquer compromissos.
Achávamos tempo para fazer nada, para dar atenção aos amigos, às coisas pequenas, aos detalhes mágicos de cada simples acontecimento, conseguíamos ver beleza onde hoje sequer conseguimos perceber existência, e ainda temos a insolência de perguntar o que havia de tão bom na infância e por que era tão melhor do que agora.
A vida pode continuar tão satisfatória quanto, basta que mantenhamos a criança viva dentro de nós e tenhamos clara a necessidade de continuarmos arranjando tempo para o que é importante à nossa essência.
A vida é curta demais para desperdiçarmos com a correria da vida moderna, afogados em informações poluentes. A vida é agora e é uma só. E se por acaso encontrarem um falso adulto pendurado em alguma pitangueira na cidade, podem vir conversar, pois há grandes chances de ser eu.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Publicado em: A Tribuna Regional no dia 09.11.2013

Editado/corrigido por Josiane Brustolin
@rjzucco
rodrigo.zucco@terra.com.br