Pesquisar este blog

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Jogos e guerras I

Era uma tarde de quarta feira, ninguém ousaria esquecer uma data tão memorável quanto aquela. O que acontecera nesse dia ainda hoje é contado entre as pessoas e certamente assim será por gerações sem fim, de avô para netos, de copo em copo nos bares e como referência ao que é uma briga feia de fato. Bochincho? Era festa de criança, todos dizem....
Estava ele lá, no meio da cidade, um gigante, o fogo do ódio em seus olhos era tão forte que irradiava calor na direção em que olhasse. Um ser de pura maldade e mágoa. Era tudo tão expressivo que irradiava ânsia, fazendo com que as pessoas conseguissem sentir sua fúria derretendo tudo.
A situação estava cada vez mais ficando tensa, ninguém conseguiria resistir àquela situação por muito tempo. Era tão forte e todos sentiam de forma tão intensa aquela queimação, que havia clareza coletiva de que os limites da cidade já haviam sido cruzados há tempos.
Chegou ao ponto de ninguém mais aguentar. Todos já com a boca seca. O clima passara de pesado fazia dias e ele insistia em permanecer prostrado bem no meio da cidade, aguardando alguém que tivesse coragem de enfrenta-lo.
Os que se achavam fortes, tentaram oferecer algum tipo de resistência - aqueles que acreditavam ter o coração frio ou um olhar gelado -, mas não foram páreos nem para chegar perto. A simples aproximação já os fazia sucumbir deixando todos molhados e impotentes.
Foi quando o Minuanito, proxeneta de plantão daqueles rincões, resolveu dar as caras. Normalmente, quando ele vinha correndo tanto a ponto de levantar terra do chão e fazer folhas e papéis revolverem-se, todos sabiam o que esperar. O tirano faminto se aproximava.
E quando a fome de alguém sem qualquer sentimento bate à sua porta, prepare-se para chuva em prantos, pois a desgraça é grande.
Aliás, falando nisso, esse era o motivo do gigante estar ali. Sabia que cedo ou tarde o mais frio dos guerreiros deveria dar as caras por ali. Já havia espantado nesse pequeno tempo, de cerca de dois meses, todos que se diziam fortes o suficiente para peitá-lo.
Cada passo que o anunciado pelo proxenetinha dava em direção a cidade, era ouvido por todos. Seu coração era tão profundamente tomado pela frieza que nenhum humano em qualquer momento conseguiu ficar sem espasmos de frio, apenas ao aproximar-se.
Ao cruzar os limites da cidade, conhecedor dos meandros das pelejas, sentiu que o estavam aguardando. Conseguia sentir o calor proveniente de um ódio genuíno e de um amante de guerra.
Sorriu trovejantemente. Esses infelizes amantes e adoradores desse tal de inferno quente precisavam sempre de sua lição. Fechou o cenho escurecendo até os limites do horizonte e tomou ar com tanta força que as árvores balançaram e algumas casas foram destelhadas.
Seu prazer em obliterar esse tipo de adversários chamuscava relâmpagos resplandecentes em seus olhos. Tão intensos que transformavam a escuridão de todo o infinito horizonte de seu cenho, antes negro como a noite, agora em claro como o dia.
Dirigiu-se ao encontro de seu rival guiado pelo ódio, até finalmente encontra-lo. A população estava aterrorizada, temendo pela cidade, por suas vidas e até pensando no fim do mundo. O tempo fechou.
A raiva do gigante era agora mais forte do que antes, chegando a esquentar o vento mesmo depois de todo aquele alvoroço do Minuanito. Olhou como de costume a todos os adversários que, apenas por estarem em sua presença, já sucumbiam antecipadamente, regozijando-se por humilhar mais um. Mas foi subitamente surpreendido. O famoso tirano tinha lindos olhos claros. Profundos e envolventes e cabelos delicados e lindos, tal e qual sua face. Sim... era uma guerreira.
Não acreditava que se preparara tanto tempo para enfrentar uma mulher. Não desistiria agora de sua vingança. Veio para um duelo e era isso que teria.
Mas dessa vez a história era diferente. O frio nos olhos de sua oponente era tão inacreditavelmente intenso e profundo que ele sentia como se as nuvens estivessem fechando-se sobre si e o céu escurecesse o ambiente, esfriando suas esperanças.
Mastigou a mágoa juntando todo seu ódio como se ruminasse uma vida de tormenta antes de vomitá-la toda de uma vez só sobre aquela tirana.
Nesse momento, ela sentiu que todo aquele ódio parecia sumir. Sabia no entanto que aquele gigante não era como os demais e não sucumbiria apenas pela sua presença. Posicionou-se preparando-se para briga.
O vento soprou frio e quente, rajando sem direção. O gigante agora parecia apenas um humano grande. Mal dava para sentir toda aquela maldade. Quanto mais a tirana concentrava forças, mais ele segurava seu vômito de ódio.
Foi então que o calor retornou, dessa vez com uma força avassaladora. O gigante colocou para fora tudo o que tinha, partindo colérico em direção a enigmática tirana.
Cada passo que dava, sentia seu fogo arrefecer, não porque seu ódio também o fizesse, mas pela simples presença da oponente. Percebeu que aqueles lindos cabelos esvoaçavam - agora molhados - e que o frio de seu coração era algo sem parâmetros.
Antes de chegar a cinco passos, percebeu que seu calor e fogo já não passavam de uma mera brisa. Seu fôlego outrora forte e contumaz, agora não passava de uma brisa morna que se desfazia facilmente nos pequenos redemoinhos gelados.
Entendeu o que todos sempre falavam. Jamais enfrente ou se envolva, mesmo que seja em uma batalha de vida e morte, com uma mulher com coração frio. Não há como vencer!
A três passos de distância cometeu o erro de a olhar nos olhos e foi então que perdeu-se em um universo ártico, eliminando todo e qualquer resquício de seu fogo. Quando deu por si, estava de joelhos, sem forças para respirar e sequer conseguia levantar. Bradou algumas palavras de ódio, tombando em seguida aos pés de sua algoz.
Não pense você leitor que ela nada fez. Seus olhos estavam acesos, a chuva já havia tomado conta de todas as cidades da região. Seus cabelos incandesciam de poder. E mais uma vez, a tempestade tirana obliterou o calor missioneiro, deixando um rastro de pessoas desabrigadas, muitas crianças sem pai e futuros gigantes cheios de ódio os quais ela teria certeza, um dia voltariam para vingar-se.

Publicado em: A Tribuna Regional no dia 20.12.2014
Revisado por Josiane Brustolin
@rjzucco
rodrigo.zucco@terra.com.b

Nenhum comentário:

Postar um comentário